Thursday, February 27, 2014

Um monólogo com Marselha, o Tarot

   Pois que estava em tarde insólita inquieto. Procurando por uma razão desconhecida até que Marselha interroga-me: “Por que não me estudas? Por que não fizeste comigo o mesmo que fazeis com teus estudos normais?”. Marselha novamente se impõe e vejo-me reduzido a tal processo que nada seria realmente mitigador além de dedicar um tempo ao estudo de Marselha.
   Mais uma vez estava lá, eu, jovem tupiniquin das terras de Pindorama, revendo os velhos e tão engessados conceitos do velho mundo. Sem no entanto sentir de fato o que realmente faltava. A mente pululada por pensamentos questionadores da realidade de tal nobre sabedoria tão ordenadamente escrita em uma língua que não a minha materna leveza indígena, a mesma leveza da sabedoria de comunidade.
   Eis que um dos pensamentos barram-me fortemente indicando: “Observastes a razão disso? Quando criança dedicastes algum tempo a esse estudo?” Outras perguntas surgiram indicando sincera reflexão de questões que uma vez violaram minha sanidade e felicidade.
    Em calmo momento pensei: “Essa busca pela ferramenta do oráculo, essa ânsia, é apenas uma tradução da real necessidade e do real vazio que experimento da espiritualidade.” E como uma culpa que não condena, mas acolhe com calma, deixei-me entender que a busca por Marselha não chegara ao fim, que tal instrumento poderia sim aplicar-se de maneira sábia, sem no entanto ignorar o velho conhecimento por detrás da língua dos brancos.
    Sem ouvir o canto de meu amado Urutau, distante do amoroso aroma de meus Manacás, saudoso do Maracujá em flor, distante daquela que era a terra prometida do lobo guará, absolutamente perdido e deixando-se perder na terra de clima frio e sem aromas. Essa foi a imagem que tive de mim, o jovem tupiniquin que revive as velhas memórias do velho mundo naquilo que seria o novo mundo dos velhos.
    Pois que algo de estranho finalmente aconteceu. O vento trouxe consigo diferentes notas, mensagens novas são agora percebidas, sem no entanto dizer que elas nunca estiveram ali. O vento trouxe consigo Marselha, Marselha trouxe-me a doce oportunidade da reflexão, a mesma pela qual o vento insuflou ao menor sinal das diferentes ideias que desabrocharam.
    “E então jovem tupiniquin? O que irás fazer?” Perguntou-me ao final Marselha. Sem uma resposta certa, mas com a natural orientação da bússola que aponta o caminho do coração, com a gloriosa mensagem da alma que nos diz natural e docemente, sem nos contestar ou condenar, seguirei o caminho que já deveria ter sido trilhado outrora.
    E agora o que resta? Marselha se cala, como aquele que a desnudou deixando-a em completo silêncio, mas em verdade não há medo, não há vergonha, não há raiva, não há qualquer brisa repulsiva. O que há no momento seria uma profunda troca de olhares. Marselha, olha-me como olho aos demais. O jovem tupiniquin que traz em si o escorpião do velho mundo, revivendo no novo mundo dos velhos novos... 

Thursday, February 6, 2014

Uma oração, por um coração desconhecido...

Sei que você está aí, sonhei com você tantas vezes sob aquele luar, não foram as poucas vezes que estivemos juntos, que você me chamou e fui até você. Quantas não foram as aventuras? Não sei mensurar esse estranho amor que se desenvolve por tantos séculos.
A vida no entanto nos reservou outros cantos, outras dores, outras lágrimas, outros prazeres, outros aromas, outras cores, muito além dos violáceos e claros tons do Manacá, muito além daqueles campos violetas de outra flor tão bela quanto um Manacá, nossa amada Lavanda.
Hoje estamos em condições diferentes, você lá, de onde tudo se vê, de onde nada se esconde, eu cá, de onde a vida se limita a poucos parâmetros recheados de incertezas e dúvidas, todas tomadas ao cristal das certezas cujos corações se perdem no pesar de dores e lágrimas que o pântano, chamado teatro da vida, nos concede como cadinho de experimentação para nossas dores mais profundas.
Sei que lhe amo, pois também sinto a saudade do que até agora desconheço, você que sempre aparece em meus sonhos, tal Urutau que ao raiar da primeira aurora some em forma de madeira seca por entre a floresta. Ao mesmo tempo que seus pensamentos, no entanto, perpassam por meio de minhas memórias e assim trocamos essa estranha relação de dores, ora julgadas como amor, ora por brigas que meu coração não consegue entender.
Peço-lhe bom senso, a necessidade clara de entender que você está onde tudo se vê, mas eu estou onde o pântano é mais denso. Por favor, em nome de tal carinho e de tal amor, vá, siga seu caminho e entenda que a vida nos deu por ora condições diferentes para seguir por caminhos diferentes, pois não sabemos, ainda, viver juntos.
Esperança não me falta de lhe encontrar um dia, dia esse em que ambos de nós brilhemos, com alegria e com amor, sem as dores de outrora, sem nossas memórias tão tristes de tantas difíceis formas que nos separamos.
Hoje vamos aprender coisas diferentes, em realidades tão diferentes, mas tão próximas quanto se imagina. Que a luz de nosso amor transcenda por fendas mais felizes, que o caminho de nossa dor seja aprendizado profundo, somando ainda nossa própria cura.
Que possamos realmente elevar nosso amor, pela luz que nos concede o existir e que o canto de nosso Urutau seja ao Sol e não mais à Lua.


Tuesday, February 4, 2014

Complicada reflexão do planeta distante, do planeta presente e das realidades prementes

Aos Urutaus que voam sem rumo, aos Manacás que desabrocham sem a esperança de que o seu doce aroma seja inalado, ou que suas violáceas cores sejam admiradas. A todas as criaturas que dançam nessa ciranda cerrada, nesse infinito processo de fazer e desfazer. Por fim, para todos os que da parada necessitam desfrutar e do ânimo resgatar, que a música seja entregue ao vento e que o vento leve-a ao divino e que o divino reverbere.
Alguns foram os que triste música cantaram, outros que alegre canção trovaram, mas nesse infinito tempo, o vento presente esteve para bem fácil misturar o nosso tão longo cantar. Assim o vento levou o aroma do Manacá, assim ele acalentou o Urutau, assim o vento uniu, unicamente pois o Urutau no vento sabia voar e o Manacá no vento sabia exalar.


Monday, February 3, 2014

Reflexões de fome, de ego e de amor

Ali, aqui, lá, acolá, por todos os lados, todas as formas são e muitas as dores. Nem todos os Manacás são de fato flores, assim como nem todos os Urutaus são exímios cantores. Difícil é o lidar, a forma, o meio pelo qual se conduz e se estabelece a relação. Apesar de tudo, maravilhoso é o aprendizado, magníficos são os valores que por detrás do invisível se constroi. 
Ora pois que se diga a falácia de tais valores, ou que se defenda a evanescência dos mesmos. Pensamentos e sentimentos não faltarão para preencher o infinito espaço das razões e emoções, bem como o infindável das criações e ilusões. Alguns tupiniquins preferem seguir para fora, outros preferem observar o derredor, bem como há loucos tupiniquins que se acham suficientes para seguir adentro.
Nesse fluxo criado por tais verdadeiros criadores há o infinito aparecimento das verdades únicas, daquilo que se ora assume por absoluto e que tão cedo fenecerá quanto o doce aroma do Manacá. O que no entanto se ausenta para todos os verdadeiros criadores é a tal simples razão do apenas ser, sem que o seja.
Já dizia uma ave antiga, de roupagem muçulmana, uma tal ave que se dizia irmã do Urutau, que no turbilhão da vida nada importa, pois apesar das cores, aromas e verdades, tudo se perde, tudo se vai tal fluxo de águas no rio, restando apenas o que somos, sem o que éramos.
O engima, ou o paradoxo aqui é apenas para que se pense, com cuidado e com carinho, sem que se ofenda, que a necessidade maior não está em estar, mas no singelo ser. O ser que já dizia a canção, se desvendará pela própria mão, tão magnífico for a própria obra de sua criação, pois tal errante criatura, é em verdade o eterno criador.
Portanto, antes que nós, singelos tupiniquins, avancemos urgente se faz a parada no caminho, num doce momento de pensamento leve, simples despojamento daquilo com que estamos, para encontrar o que somos. O jovem tupiniquin por si entenderá que conforme for a caminhada o ódio não existirá, tão pouco o medo, tão pouco o desprezo, pois smples será a compreenção de que se apenas somos, então que importância há em como estamos, uma vez que esse estado só revela o que se sabe do que é. Simples assim, e também complexo assim, tão difícil quanto é a simplicidade da livre leveza do amor...

Saturday, February 1, 2014

Reflexões do nada e do coração

E tão rápido quanto a batida do coração, foi o pensamento de que tudo está como deveria estar. Os pássaros cantam conforme a natureza de cada um, o som e a força que cada ave apresenta no canto é particular e original à evolução que o tempo lhe concedeu. Assim não o é muito diferente para cada forma de vida, tão claro quanto o brilho do orvalho fresco, delicados volumes de água que repousam nas pétalas do Manacá, é o entender que a cada forma de dor, para cada expressão e forma do amor há uma função.
Talvez aqui a palavra função obstrua de fato o que se deve entender, somado ainda minha parca capacidade de transmutar enormes emaranhamos de pensamentos em palavras escritas, lineares e lógicas. Contudo, farei o meu melhor para tentar explicar com pouco.
Toda forma e momento de vida, no qual há uma expressão da realidade, experimenta por si, através de si e de variadas coisas ao redor de si, o fluxo do existir. Todos inseridos em um mesmo universo de realidade que abriga múltiplas realidades, cada um com a sua própria e mesmo livre para escolher qual construir ou seguir.
Dentro dessas realidades de aromas e cores, de tudo aquilo que compõe o coração, a mente e o entendimento de cada um, há também abismos e dores tão importantes quanto maravilhosos. Pois que aí se entende a palavra "função", por função se deriva a expressão da razão, a função de toda experimentação é nos proporcionar algo, cabendo-nos a tarefa de organizar esse algo.
Portanto toda forma de sofrimento, individual ou coletivo, toda forma de alegria, também, individual ou coletiva, toda forma de experimentação tem sua função, isto é, está de acordo com aquilo que precisamos assimilar, pois tal experiência nos está sendo proporcionada e dela extrairemos um algo, ao qual o nobre trabalho é organizar.
Continuando a caminhada no tempo infinito percebemos, com a idade ou com as experiências, quão maravilhoso é o fato de que todas as circunstâncias nos trouxeram, por algum veículo, algum material, mas não devemos confundir que tudo isso foi em verdade apenas um recurso. As circunstâncias, sejam elas sofrimentos ou alegrias, foram recursos, não foram valores, não foram aprendizados, estas se tornaram valores e aprendizados, pois assim escolhemos que o fosse feito, utilizando para isso o instrumento de nossa razão, de nossos sentimentos ou de qualquer coisa que dispusemos naquele instante.
Claramente o pensamento calmo nos forçará a concluir que ora chegará em que nossos instrumentos (o conjunto de razões, sentimentos e experiência) serão outros, por isso mesmo nossa visão mudará e naturalmente a realidade que nos circunda.
Por fim isso nos leva a pensar, mais uma vez no início desse texto que tudo está como deveria ser. Caberia aqui mais reflexões sinceras de como essa afirmação poderia representar algo tenebroso, mas por hora também há a segunda tarefa de entendermos o que fizemos, ou o que estamos fazendo para determinar esse "deveria ser".
Portanto seguimos a caminhada do existir, experimentando o que se deveria experimentar para acessar o algo que nos falta, o sofrimento que nos bate a porta e que nos mostra o lado da realidade que nos falta, a alegria que nos conduz ao caminho que também nos falta. Pensemos, queridos tupiniquins, esse coletivo ao qual estamos imersos e ao qual estamos nos esquecendo, exaltando o indivíduo. Óh queridos tupiniquins, lembremos do que somos, e que apenas somos...