Costumo observar os olhos das
pessoas como veículos de comunicação, mas é algo que denuncia aquilo que não se
quer falar, aquilo que até mesmo a pessoa desconhece de si mesma, aquilo que
qualquer um poderia jurar não ser verdade, mas no subconsciente e no mais
profundo das sombras do coração, a verdade oculta pulsa e, por algum modo,
brilha ou ofusca em algum lugar da retina.
Por alguma razão, conforme
envelheço, torno-me cada vez mais hábil em ler as trevas mais profundas de
todos os corações, uma vez que elas brilham nos olhos de cada um. Mas aqui cabe
algumas explicações, a começar pela ideia de trevas.
Trevas constitui-se apenas aquilo
que a pessoa desconhece de si mesma, por mais que o indivíduo sufoque a si
mesmo na obstinada tentativa de ser algo idealizado ou, ao meu ver, perturbado
por um turbilhão de tempestades mentais, emocionais, psíquicas, espirituais,
biológicas e demais esferas de influência cotidiana.
Também, por alguma razão, percebi
que quanto mais profundo consigo penetrar nessa realidade de um simples olhar,
em verdade, mais profundo estou penetrando no meu coração. Olhar o outro é
olhar para mim, não mais além do que ver um espelho cristalino de mim.
Com isso ando percebendo quão grato
eu posso ser por ter os mais diversos olhares perto de mim, ou mesmo distantes,
fotos bastam. Por mais que se esteja com qualquer coisa ao redor, com um
sorriso e com a estampa de uma alegria registrada num momento oculto e
esquecido de uma foto, a imagem dos olhos, imortalizada por tal imagem, lá
estará para denunciar a realidade daquele que mira a lente que o registrou.
Assim, com o tempo também passei a
perceber que maravilhosa é a experiência de ter de enfrentar-me a toda vez que
olho para um ser humano, tão humano, tão igual, tão irmão. Ora, impossível não
desenvolver o sentimento de gratidão, mais impossível ainda seria não se
alegrar por todos os momentos em que se pode desfrutar de profundo olhar e
reflexão.
Aprendi que esses seriam os anjos,
esses seriam os guias, os Exus, os Budas, os caminhos. Percebi que meu
verdadeiro religare estaria ali,
perto de mim, a todo tempo, seja em fotos, seja do meu lado. Desde que eu
permaneça entre humanos, eu encontrarei tudo de que preciso para aprender sobre
mim, conquanto eu não me esqueça de dar-me o tempo para pensar, refletir,
harmonizar tantos olhares que de tantas formas me lançam.
Não somente uma questão de ver o que
há em mim, mas também, uma questão de ver o que há no outro de semelhante. Fica
claro, em cada olhar, o que mais há de afinidade entre tudo o que me constitui
e tudo o que constitui o observado, mas ao mesmo tempo vejo tudo o que posso
compreender do outro que, não necessariamente, afina-se ao meu conteúdo moral,
espiritual e mental.
Obviamente não sou capaz de
identificar no outro aquilo que desconheço, ou seja, aquilo que não está em
meus registros de memórias, sejam ela conscientes ou não. Em se falando de
minha memória inconsciente, há muito que vêm à tona no olhar, mas não de
maneira clara como seria no consciente, mas apenas sentida, algo que poderíamos
atribuir o nome de “instinto”, mas é um “instinto” que sempre aponta o objeto,
o caminho e suas dimensões, costumo dizer que nesses momentos o coração fala
através dos olhos, pois não há uma linguagem cerebral, é algo que não possui um
corpo de palavras, é algo mais rico, mais intenso e mais detalhado.
Por todos esses anos aprendi a
reconhecer o brilho de cada olhar, a reconhecer o timbre de cada voz, a ouvir o
som do respirar de cada um, a ler um complexo conjunto de fatores linguísticos
que, ao invés de racionais, são absolutamente incontroláveis. Sejam eles
encobertos por qualquer meio, os olhos, a voz, o diafragma, as mãos, as pernas,
os ombros, os braços, os movimentos da cabeça. Tudo denuncia o real ser que
vejo, não importa o conteúdo da fala, não importa o que o indivíduo tenta
mostrar, a alma gritará pela verdade de si mesma, e pode fazer do indivíduo um
instrumento ridículo da discrepância de seu conteúdo oratório e de sua imagem
real.
Por isso mesmo, por tudo o que foi
dito acima, eu fui reparando os mecanismos de dores, os sofrimentos, os
complexos e confusos meios no qual crescemos, tomando o efeito pela causa,
assumindo pensamentos dúbios, incompletos e ilógicos em nome de tantas coisas
que nada mais refletem nossos medos, vontades e ignorância.
Ora, como não ser grato para com
aqueles que me mostraram que tenho medo, que minhas vontades são embasadas no
meu ego, que sou ignorante de muitas coisas, que fujo de mim por meio de
experiências exteriores. Ora, como não ser grato? A cada dia mais grato fico ao
pensar que, interiormente, a caminhada se deu pela simples observação, como já
diziam os índios: aprendemos observando.
Enfim, gratidão é apenas o que deixo
aqui às flores, aos pássaros, aos leitores. Obrigado por me mostrarem o próprio
sofrimento, obrigado por me mostrarem que sou e não quem sou. Tão simples
assim, apenas somos. Gostaria de um dia compartilhar isso com todos vocês...
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